O futebol brasileiro não será o mesmo depois da Copa do Catar
Entrada maciça do capital financeiro, novo padrão de consumo da geração GenZ, atletas que fazem valer sua voz, streaming, tecnologias disruptivas, liberação das apostas, novos modelos de gestão e governança. Tudo isso aconteceu no futebol mundial desde a última Copa vencida pelo Brasil, há 20 anos. Por aqui, o futuro chegou, mas diminuto. O futebol nacional perdeu qualidade proporcionalmente ao crescimento da exportação de nossos talentos — nisso nos tornamos grandes. Na final da Champions League, os brasileiros representaram aproximadamente 50% do elenco e uma fatia ainda maior do PIB das quatro linhas. Será desses que se foram o mérito de uma vitória no Catar, mas a derrota será do gestor incapaz. Uma sinuca de bico, diriam os mais antigos.
O futebol nacional foi incapaz de acompanhar a mudança estrutural da sociedade, especialmente do conhecimento tecnológico, e se manteve estático, estacionário, face a dinâmica do crescimento econômico. A aprovação da SAF e da Liga acenam com a chegada do profissionalismo e da revisão de modelos arcaicos.
A SAF está disponível para pautar o caminho da gestão, da internacionalização e, gostem ou não, da inserção do futebol brasileiro no portfólio dos conglomerados empresariais que regem o esporte. A SAF certamente não é perfeita, mas deverá trazer segurança jurídica para investidores e possibilidade de solvência para clubes. A decisão de adesão é de natureza institucional e política.
Já a Liga... Ah! Dividida entre os grupos Libra e Liga Forte Futebol, discute uma divisão mais equânime dos percentuais. Apesar da falta de consenso, a boa notícia é que recentemente parecem ter desistido de pleitear a alteração do marco jurídico vigente. Como não existe tempo médio para aprovação no Legislativo, um longo debate retardaria a possibilidade de otimizar a comercialização de ativos e resultados financeiros. A economia ensina que contratos são incompletos e, portanto, melhor seria encontrar rapidamente o “ótimo de hoje” do que continuar com o pires na mão discutindo o porvir. O modelo não seria perfeito, mas resolveria uma grande parte dos problemas pois, como já se sabe, modelos, assim como as espécies, se adaptam e evoluem no tempo. Isto é, mandatórias ou voluntárias, oportunidades de renegociação surgirão no futuro. Vide a Premier League que, mesmo em desigualdade de condições, dividida em dois grupos de 6 clubes super ricos e 14 “ricos-mas-nem-tanto”, opulentou a ponto de o Parlamento apresentar a criação de uma agência reguladora independente para o futebol.
SAF e Liga serão os instrumentos de integração do futebol brasileiro ao sistema capitalista e os responsáveis pela mudança do paradigma vigente. Esses mecanismos, criados para substituir o que se tornou obsoleto, já foram implantados há tempos no mundo desenvolvido. Chegou nossa vez de modernizar ou agonizar.
No Catar, o futebol brasileiro, com ou sem a sexta estrela, não será vencedor. A “pedagogia da rua”, a escola que inspira nossos talentos, não é mais capaz de produzir futebol de qualidade sem a presença do grande capital e da inovação. A necessidade de gestão e governança é conhecida, resta as partes interessadas, ao olharem para o futuro, desistirem da moderação aristocrática e tornarem-se republicanos na virtude.